Temer entrega Programa Espacial aos militares e
esvazia AEB por meio de decreto ilegal
Gino Genaro*
Por meio do Decreto n° 9.279, de 06/02/2017, o presidente Michel Temer criou o chamado Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), com o objetivo de "fixar, por meio de resoluções, diretrizes e metas (...) a potencialização do Programa Espacial Brasileiro e supervisionar a execução das medidas propostas para essa finalidade". O Comitê terá como composição o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, gal. Sergio Etchegoyen, como coordenador, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o ministro da Defesa, gal. Joaquim Silva e Luna, o ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo de Oliveira, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, e o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab.
No entanto, compete à Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia federal criada pela Lei n° 8.854, de 10/02/1994 e ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), "executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais
(PNDAE), bem como propor as diretrizes e a implementação das ações dela
decorrentes; propor a atualização da Política Nacional de Desenvolvimento
das Atividades Espaciais e as
diretrizes para a sua consecução; elaborar e atualizar os Programas
Nacionais de Atividades Espaciais (PNAE) e as respectivas propostas orçamentárias; (...)". Cabe ainda
ressaltar que o sistema espacial é organizado segundo o Sistema Nacional de
Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae) conforme o Decreto n° 1.953,
de 10/07/1996, sendo a AEB responsável por sua coordenação geral.
Portanto, fica patente a sobreposição de atribuições entre o CDPEB, criado por decreto presidencial, e as atribuições a cargo da AEB, criada por Lei Federal, significando que, na prática, um decreto está substituindo, por um comitê, atribuições fixadas por lei a uma autarquia, algo absolutamente estranho ao ordenamento jurídico vigente. Esta foi a conclusão a que chegou a própria Consultoria Jurídica do MCTIC, órgão ligado à Advocacia-Geral da União (AGU), em seu Parecer n° 00120/2018/ACF/CONJUR-MCTIC/CGU/AGU, quando consultada pelo ministério nos dias que antecederam a publicação do referido decreto. Este mesmo Parecer é encerrado nos seguintes termos: "Nestas circunstâncias, pensamos seja de bom alvitre, juridicamente, ser revista a
providência carreada pelo referido Decreto". Tal fato
certamente levantará questionamentos por parte dos vários atores que atuam no
PEB, sejam eles públicos ou privados, trazendo enorme insegurança jurídica ao
setor.
Tudo isso acontece em paralelo a outras ações também atabalhoadas e nada transparentes, advindas do chamado Grupo de Trabalho Interministerial para o Setor Espacial (GTI-SE), criado pela Portaria n° 2.151, de 02/10/2015, dos ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia. Este grupo de trabalho, que nunca chegou a ter seus membros formalmente designados pelos vários órgãos envolvidos, produziu um relatório final que sequer foi tornado público, nem mesmo quando requisitado com base na Lei de Acesso à Informação. Apenas soube-se, mais tarde, que dentre as conclusões a que chegou este grupo, estava a constatação --ademais, óbvia-- de que o Programa Espacial Brasileiro necessitaria urgentemente de uma nova governança institucional, haja vista a sobreposição e difusão de responsabilidades entre órgãos civis e militares, envolvendo diferentes ministérios, e sob a coordenação de uma autarquia. Desta conclusão, surgiu a proposta de criação do chamado Conselho Nacional do Espaço (CNE), semelhante ao CDPEB ora criado, que já teria recebido pareceres favoráveis das consultorias jurídicas dos dois ministérios envolvidos, aguardando apenas tramitação como Projeto de Lei na Câmara e no Senado.
Portanto, uma das explicações para a criação repentina, por decreto, deste CDPEB, desidratando completamente as atribuições da AEB, foi justamente evitar que o tema fosse debatido, ampla e democraticamente, pelas casas legislativas, já que, tramitando desta forma, dificilmente teria sido dado ao Programa Espacial o comando militarizado que possuía até 1994, antes da criação da AEB. Isto também explica a forma truculenta e impositiva com que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) fez tramitar a minuta de decreto de criação do CDPEB, não concedendo sequer tempo hábil para que os ministérios envolvidos se pronunciassem.
Com isso o governo Temer consegue aprofundar ainda mais a crise de governança do PEB, reforçando o lado militar do programa e retrocedendo décadas na busca por um programa espacial estratégico, transparente e voltado aos grandes interesses da sociedade.
* É Tecnologista Sênior e membro do Comitê Técnico-Científico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Comentários
Postar um comentário